
Crédito: Miguel Monteiro
Projeto une comunidades locais, institutos de pesquisa e órgãos públicos para proteger espécies ameaçadas e fortalecer a gestão sustentável na floresta amazônica
Uma parceria estratégica entre o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) está impulsionando o cenário da conservação de quelônios na região do médio curso do Rio Solimões, Amazônia.
Com foco na Floresta Nacional de Tefé (FLONA Tefé) e na Reserva Extrativista (RESEX) do Baixo Juruá, a iniciativa promove ações integradas de proteção, pesquisa e geração de renda junto às comunidades tradicionais com foco em quelônios amazônicos.
As tartarugas-da-amazônia (Podocnemis expansa), tracajás (P. unifilis), iaçás (P. sextuberculata) e outras espécies de quelônios têm papel vital tanto para a ecologia dos rios quanto para a segurança alimentar das comunidades locais. Porém, décadas de caça ilegal e coleta de ovos colocaram essas espécies em situação crítica, o que mobilizou os esforços comunitários e institucionais pela conservação desses animais.
Sistemas comunitários ganham novo fôlego
Desde 2009, comunidades da FLONA de Tefé vêm se organizando para proteger os ninhos de quelônios, por meio da vigilância das praias e da translocação de ninhos para locais seguros. Em 2023, o Instituto Mamirauá, por meio de seu Programa de Manejo da Fauna, iniciou uma colaboração mais estreita com o ICMBio e a UEA, visando apoiar essas práticas com base técnica, organizacional e científica.
Diogo Lima, coordenador do Programa de Manejo da Fauna do Instituto Mamirauá, explica que essas atividades têm raízes profundas na região. “Desde os anos 90, o Instituto já atua na conservação de quelônios, em projetos que começaram na Reserva Mamirauá e se expandiram por outras regiões da Amazônia. Agora, queremos fortalecer ainda mais esses sistemas, respeitando o saber tradicional e integrando a ciência e a legislação.”
Segundo Lima, a atuação conjunta visa não apenas aumentar o número de animais devolvidos à natureza, mas também apoiar a autonomia comunitária. “Estamos ajudando desde o mapeamento participativo até a capacitação em boas práticas de criação e soltura. E o mais importante: tudo parte da demanda das próprias comunidades.”
A escuta comunitária como base da ação
Uma das ferramentas utilizadas para entender melhor as realidades locais foi a aplicação da matriz FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) em encontros com cinco comunidades da FLONA de Tefé: Cacautuba, Itaúba, Boa Vista, Tauary e Bom Jesus. Os levantamentos revelaram um total de 50 citações, com destaque para as fraquezas, que representaram 33% a mais que os outros elementos, evidenciando os desafios enfrentados pelas comunidades.
Entre os pontos fortes, os participantes destacaram a riqueza dos ambientes disponíveis para a conservação, o aumento perceptível das populações de quelônios e a ampla participação comunitária. Por outro lado, questões como falta de apoio externo contínuo, consumo excessivo de ovos e invasões ilegais das áreas protegidas foram apontadas como obstáculos significativos.
Afonso José Cruz Gonçalves Pereira, biólogo do ICMBio, vê na mobilização comunitária o caminho para reverter esse cenário. “Nesse programa, a ideia geral é trabalhar a conservação desse grupo animal junto aos comunitários da FLONA Tefé e RESEX do Baixo Juruá, tentando empoderá-los e capacitá-los para atuarem na proteção dos bichos e, consequentemente, do território”.

Crédito: Miguel Monteiro
Solturas e geração de renda: um ciclo de sustentabilidade
Em janeiro e março de 2025, foram realizadas importantes solturas de quelônios nas comunidades Cumaru (RESEX Baixo Juruá) e Bom Jesus (FLONA de Tefé), com a devolução de mais de 3 mil animais à natureza. Essas ações se somam às capacitações em translocação de ninhos e boas práticas de manutenção em berçários.
A geração de renda, aliás, é uma preocupação central para garantir a sustentabilidade dos projetos. “Essas ações demandam recursos. Temos custos com combustível, alimentação, infraestrutura”, explica Diogo Lima. “Por isso, buscamos viabilizar alternativas como o turismo de base comunitária e, no longo prazo, o manejo legal para comercialização.”
Algumas comunidades da FLONA de Tefé já começaram a explorar o turismo como alternativa econômica. “Elas têm buscado parcerias com agências locais para oferecer experiências de soltura aos visitantes. Isso gera receita e aumenta o engajamento na conservação”, acrescenta Lima.
A educação como aliada da proteção
O programa também prevê a realização de atividades de educação ambiental voltadas ao público infantojuvenil das comunidades. Em 2025, o ICMBio planeja capacitações sobre práticas de conservação comunitária a serem realizadas na FLONA Tefé, com oficinas de organização comunitária, vigilância, educação ambiental e soltura de filhotes.
“Paralelamente, durante a mesma atividade, estamos pretendendo trabalhar ações de educação ambiental voltadas ao público infanto-juvenil dentro da temática de preservação e proteção comunitária (atividades lúdicas e minipalestras)”, informa Afonso Pereira, do ICMBio.
Conhecimento tradicional, ciência e legislação: um tripé eficaz
A colaboração com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) reforça o elo entre o conhecimento acadêmico e o saber tradicional. Para o professor e biólogo Rafael Bernhard, da UEA, a união entre comunidade, ciência e órgãos públicos é essencial.
“A Amazônia é um bioma gigantesco, continental. Dentro dele os quelônios sofrem intensamente com a pressão de caça e coleta dos ovos. Eles só não se encontram num nível maior de ameaça graças às ações para a sua proteção realizadas há décadas pelos órgãos de proteção ambiental federais, estaduais e municipais. A eles somam-se iniciativas de pessoas que vivem no interior e que estão dispostas a colaborar na proteção dos quelônios. Algumas são anteriores à chegada dos órgãos ambientais. Iniciativas que unem o conhecimento tradicional, científico e da legislação através da parceria dos comunitários com órgãos públicos e ONGs tendem a produzir um efeito sinérgico que aumenta a eficiência das ações de conservação”, afirma Bernhard.
O futuro da conservação comunitária de quelônios
A consolidação desse esforço coletivo caminha para a formalização de um projeto estruturado, com previsão de submissão a editais de financiamento para projetos complementares. A perspectiva é expandir o modelo para outras áreas da Amazônia, respeitando a especificidade de cada comunidade e promovendo a cogestão das Unidades de Conservação.
Diogo Lima reforça que o protagonismo comunitário é a chave para o sucesso de qualquer iniciativa de conservação. “Os projetos que deram certo são aqueles que nasceram da própria comunidade. Nosso papel é apoiar, orientar, mas sempre reconhecendo que o maior conhecimento sobre o território está com quem vive ali.”
Com base em uma atuação integrada, adaptada às realidades locais e voltada ao empoderamento das populações tradicionais, a parceria entre o Instituto Mamirauá, ICMBio e UEA aponta caminhos promissores para a conservação de quelônios na Amazônia. Em um bioma onde os desafios são tão vastos quanto os rios que o cortam e alimentam, a união entre saberes e forças se mostra não apenas eficaz, mas indispensável.
Texto: João Cunha
Assessoria de Comunicação do Instituto Mamirauá
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